Artigo

A União Estável e o Novo Código Civil

Monica Ballariny (Março - 2003)

Antes do advento do novo Código Civil Brasileiro, Lei 10406/2002, que entrou em vigor em janeiro/2003, a matéria relativa às uniões estáveis regia-se essencialmente pelas Leis de nºs 8971/94 e 9278/96.

Segundo o disposto no artigo 5º da Lei 9278/96, militava em favor dos conviventes a presunção de que o patrimônio adquirido na constância da união, a título oneroso, passaria a pertencer a ambos, em partes iguais, salvo estipulação em contrário.

Assim sendo, desejando “afastar” esta presunção, era necessário que os companheiros firmassem manifestação de vontade por escrito, o que poderia ser feito através de escritura pública declaratória ou contrato particular, já que a lei não estabelecia forma específica.

Desejando que vigorasse a separação total de bens, os companheiros pactuavam que na relação patrimonial do casal, não existiria a mencionada presunção de comunhão, ou seja, o que cada um possuía e os bens que viessem a adquirir na constância da união, pertenceria àquele em nome do qual se encontrava escriturado.

Vale dizer, portanto, que na ausência de pactuação, vigoraria quanto àquela união, o regime da comunhão parcial de bens, que era (e ainda é) o regime legal vigente. Analogicamente, aqueles que pactuavam em sentido contrário, firmavam um pacto antinupcial, de comunhão ou separação total de bens.

O novo Código Civil, em verdade, embora com “outra roupagem”, acabou por reeditar a regra acima mencionada, veja-se:

“Artigo 1725 - Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”

Tem-se, assim, que o dispositivo legal hoje em vigor, estipula que, na ausência de pactuação em contrário, o que for adquirido a título oneroso, na constância da união, pertencerá a ambos os companheiros em partes iguais.

Com o advento do novo Código Civil percebemos uma grande preocupação dos companheiros em estabelecer como ficaria a situação em caso de eventual separação ou em caso de falecimento de um dos companheiros.

Antes de adentrarmos objetivamente nas respostas, convém ressaltar que o novo Código Civil tem sofrido severas críticas dos operadores do direito, verificando-se interpretações divergentes sobre diversos dispositivos , notadamente no campo do direito sucessório. Por isso, demandará algum tempo até que estejam consolidados os entendimentos de nossos Tribunais acerca destes temas.

Quanto à hipótese de separação do casal, parece-nos que a questão não comporta maiores digressões, na ausência de pactuação em contrário, partilharão os bens adquiridos a título oneroso na constância da união.

Se o casal firmou contrato escrito especificando que sua união se regerá pelo “regime da separação total de bens”, restando afastado, portanto, o regime da comunhão parcial de bens previsto no novo Código Civil em exame, evidentemente, nada haverá a partilhar.

Neste sentido, convém ressaltar, que foge do razoável imaginar que com a vigência de uma nova lei, teriam eles que firmar novo contrato, até porque, não estabelece o dispositivo legal acima transcrito nenhuma forma de contratação específica, diversa daquela já firmada por eles.

O aspecto sucessório (herança por morte) envolve questões bem mais complexas. Embora a união estável hoje, inclusive em sede constitucional, seja reconhecida como entidade familiar, a sucessão entre companheiros foi estabelecida em artigo próprio, distinto da sucessão entre cônjuges.

Esse é o primeiro aspecto que vem sendo criticado por alguns profissionais do Direito. Indagam eles o motivo desta distinção entre o cônjuge e o companheiro.

É certo que, sob este argumento, muitos companheiros pleitearão que também lhes sejam reconhecidos os benefícios sucessórios atribuídos aos cônjuges pelo novo Código Civil. Neste particular aspecto é impossível precisar como se formará o entendimento jurisprudencial.

Por isso, tomemos, pelo momento, apenas os dispositivos legais aplicáveis, na ausência de doutrina e jurisprudência a nos subsidiar.

A sucessão entre companheiros, como dito acima, está prevista em artigo próprio, no título “Da Sucessão em Geral”. As demais hipóteses de sucessão estão previstas no título “Da Sucessão Legítima”. Aí surgiu uma indagação dos profissionais do Direito: o legislador não reconheceu o companheiro como herdeiro legítimo, por isso não lhe conferiu os direitos que assegurou ao cônjuge?

A herança entre companheiros está prevista no artigo 1790. Transcrevemos abaixo a parte inicial do mencionado dispositivo e os incisos pertinentes:

“A companheira ou companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendente só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;”

A Lei 8971/94, em seu artigo 2º, conferia ao companheiro sobrevivente o direito ao usufruto da quarta parte dos bens do falecido, se houvesse filhos deste. Este dispositivo, no nosso sentir, foi revogado pelo novo Código Civil.

Posteriormente, quando da edição da Lei 9278/96, em seu artigo 7º, parágrafo único, o legislador concedeu ao companheiro o direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

O novo Código Civil em exame não reeditou a norma acima apontada, mas não a revogou de forma expressa, ficando a dúvida se devem ser harmonizadas.

Note-se, no entanto, que o legislador, no artigo 1831 do novo Código Civil, manteve o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família em favor do cônjuge, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Certamente este também será um ponto de discussão no judiciário. Há argumentos para defesa de ambas as teses, aqueles a favor da manutenção deste benefício, sustentarão que o artigo 7º da Lei 9278/96 não está colidindo com o novo Código Civil e a corrente contrária defenderá que se o legislador tivesse pretendido conceder tal benefício em favor dos companheiros, a eles teria se referido, de forma expressa, no artigo 1831 acima referido.

Como a tendência de nossos julgadores, antes da edição deste Código Civil, era cada vez mais a de estender aos companheiros os benefícios existentes em favor dos cônjuges, talvez, no futuro, venha a se formar entendimento acolhendo o direito real de habitação em favor do companheiro sobrevivente. Mas, registre-se, neste tocante, por hora, estamos no terreno da especulação...

De toda sorte, a pactuação, por escrito, do regime de bens a vigorar na união continua sendo a melhor forma de minimizar riscos e discussões. O problema é que, em geral, percebemos enorme dificuldade na abordagem desta proposta por um dos companheiros, porque é vista com desconfiança pela outra parte e , em tese, a busca da segurança jurídica poderia gerar um abalo na relação afetiva dos companheiros.

Tal temor não se justifica. Nossa experiência na área de família tem demonstrado que o acerto prévio das situações patrimoniais é a mais salutar das medidas para a preservação dos relacionamentos afetivos.

Diante da nova ordem jurídica, devem os operadores do Direito aplicar a norma em vigor, com base nos princípios gerais e em consonância com o sistema jurídico existente, aguardando o entendimento jurisprudencial quanto aos pontos polêmicos acima elencados.