Artigo

A sofrida decisão de interdição do parente portador da Doença de Alzheimer

Monica Ballariny (Fevereiro - 2012)

"Começo agora a viagem que me levará ao ocaso de minha vida".

Esta frase foi escrita pelo ex-presidente dos EUA Ronald Reagan, aos 83 anos, no ano de 1994, em carta de próprio punho, quando informou que sofria do Mal de Alzheimer.

O objetivo deste artigo é analisar os reflexos jurídicos do Mal de Alzheimer, portanto, não pretendo fazer maiores digressões sobre a doença em si.

Em apertada síntese, trata-se de doença neurodegenerativa, que se caracteriza pelo progressivo e irreversível declínio das funções cognitivas e comportamentais, sendo a forma mais frequente de demência entre idosos.

As estatísticas são preocupantes, hoje se estima que 37 milhões de pessoas sofram do mal no mundo e que, em 2050, este número chegue a mais de 115 milhões.

A explicação está no aumento da expectativa de vida, isto porque, a ocorrência da doença, que se inicia normalmente depois dos 60 anos de idade, dobra a cada 5 anos a partir dos 65 anos.

O problema se inicia com alterações na memória e avança progressivamente até a dependência total. Na fase inicial, apesar dos esquecimentos, o paciente ainda consegue exercer os atos da vida civil. O grande desafio - sob a ótica do direito - é estabelecer em que momento ele perde a capacidade de gerir a própria vida.

Quando o paciente chega a este estágio, é necessário proceder-se à sua interdição, através de processo judicial, objetivando a declaração de sua incapacidade, com a nomeação da pessoa que passará a cuidar dos interesses do interditado, a quem se denomina de Curador.

O cargo de Curador é exercido, preferencialmente, na seguinte ordem: cônjuge ou companheiro, pai ou mãe, ou o descendente que se demonstrar mais apto.

Neste particular, convém destacar, que temos recebido consultas acerca da possibilidade da parte já deixar previamente estabelecido quem gostaria que exercesse o cargo de Curador na hipótese de sua incapacidade futura.

É possível e importante tomar tal providência, sobretudo quando a parte não tem parentes próximos ou, tenha fundado receio de que os parentes não administrarão de forma adequada os seus interesses, notadamente os de cunho financeiro.

Para tanto, recomendamos a lavratura de escritura pública Declaratória, com indicação de pelo menos duas pessoas de confiança da parte, em ordem de nomeação, para o exercício do cargo de Curador caso venha a ser interditado.

Percebemos que em parte significativa dos casos de interdição que nos chega ao escritório, os familiares só “tomam coragem” para adotar medida tão extrema quando o idoso já sofreu algum prejuízo financeiro.

O problema é que as consequências em alguns casos são bastante danosas, há inúmeros relatos de saques vultosos e injustificados da conta bancária, contratação de empréstimos que o idoso não se lembra de ter assinado, venda de bem imóvel e, em casos extremados, assinatura de documentos declaratórios de união estável com acompanhantes!

A constatação de que aquele ente querido não tem mais condição de cuidar sozinho de sua vida envolve grande dor, aumentada pelo fato do idoso, nesta fase inicial, ainda guardar alguma compreensão do que implicará a Interdição, negando a sua necessidade e rebelando-se contra a providência.

Mesmo a certeza de que se busca com o ajuizamento do processo de Interdição a proteção do próprio idoso, não é suficiente para amenizar o sofrimento familiar pela dura decisão de ajuizamento da Ação de Interdição.

Mas afinal, em que momento o portador do Mal de Alzheimer perde efetivamente a capacidade de autogestão? Quando deve ser interditado?

Não há como responder tal pergunta de forma genérica e taxativa, até porque, na fase inicial da doença, o paciente manifesta sintomatologia que, à primeira vista, não seria incapacitante, são “pequenos lapsos”, tais como distração, esquecimentos e dificuldade de lembrar nomes e palavras.

Geralmente, os parentes decidem-se pela Interdição apenas quando começa a haver visível desorientação comportamental e diminuição da atividade cognitiva, que já seria a “fase intermediária” da doença.

No meu sentir, em que pese a dor da decisão, sobretudo considerando-se que o paciente ainda guarda entendimento do ato que está sendo praticado, é preciso que os familiares providenciem a Interdição antes que a doença evolua para esta “fase intermediária”, entendendo que antes de tudo é medida para PROTEÇÃO do próprio idoso.

A união dos familiares é fundamental, não só para tomar tão difícil decisão protetiva judicial, como para compartilhar as tarefas de cuidado do paciente e gestão financeira, pois haverá uma sobrecarga física e emocional que aumentará, progressivamente, com o agravamento da doença.

Por isso se diz que a doença de Alzheimer não afeta apenas o paciente, mas também as pessoas que lhe são próximas.

Por sintetizar com propriedade a questão, encerro este trabalho transcrevendo “Os princípios fundamentais para prover o cuidado de pessoas com demências, e seus familiares e cuidadores.” (Carta de princípios da Associação Alzheimer Internacional - Setembro/1999):

Art. 1°. A doença de Alzheimer e as outras demências são doenças neurológicas incapacitantes e de caráter progressivo, apresentando um grande impacto profundo em pacientes afetados por elas, bem como seus familiares e cuidadores.
Art. 2° Uma pessoa com demência continua sendo uma pessoa de valor e dignidade, merecendo o mesmo respeito como qualquer outra pessoa.
Art. 3°. Pessoas com demência necessitam de um ambiente seguro e adequado. Também necessitam de proteção contra a exploração de sua pessoa e de sua propriedade.
Art. 4°. Pessoas com demência têm direito à informação sobre a sua doença, de atendimento e acompanhamento médico contínuo, bem como de outros profissionais afins.
Art. 5°. Pessoas com demência, até onde for possível, devem participar das decisões que afetam a sua vida e do cuidado despendido no presente e no futuro.
Art. 6°. Os familiares/cuidadores de uma pessoa com demência devem ter suas necessidades, relativas ao seu trabalho de cuidar, avaliadas e posteriormente satisfeitas e providas. Também devem participar ativamente no processo de avaliação e solução de recursos.
Art. 7°. Todos os recursos possíveis e necessários devem estar disponíveis para a pessoa com demência e para seus familiares e cuidadores
Art. 8°. Educação, informação e treinamento sobre demência e suas conseqüências, bem como cuidar efetivamente, devem estar disponíveis para os familiares/cuidadores de pessoas com demência.